Até aquela ligação

Autor: Eduardo Sartori Parise
Turma: 9ª série A
Unidade: Lajeado
Professora: Letícia Gracioli

É uma noite fria, como muitas nos invernos de Roseira, não se vê estrelas, nem mesmo a lua, mas Juliana não se importa, está extremamente atenta ao livro que lê em sua biblioteca, na tentativa de ganhar inspiração para terminar de escrever seu romance.
O cômodo, assim como toda a casa, está em silêncio, sendo terrivelmente interrompido, como a pobre mulher pensa, pelos miados da única companhia que suporta ser, muitas vezes, trocada pelo trabalho dela, sua afetuosa, porém discreta gata preta.
Juliana nem sempre foi esta mulher distante, que prefere mais o trabalho à companhia de alguém. As fotografias, presas nos porta-retratos, mostram seu outro caráter, que não suportou as dores da vida.
Por muito tempo, Juliana era conhecida não somente pela sua beleza, mas também por seu caráter cordial e jovial, de tal maneira que tinha verdadeiros amigos, com quem passava quase todas as suas horas livres. Ela sabia como aproveitar sua juventude, talvez, porque pressentia que o tempo a guardaria muitos acontecimentos.
    No apogeu de sua adolescência, ela começou a desfrutar de uma nova paixão, a leitura. Cada vez que lia, mais amava essa atividade e melhor moldava sue desejo de profissão. Com o tempo, Juliana não passava mais um dia sem ler nem estudar.
    Portanto, assim como sua família, seus companheiros e todos aqueles que conviviam com ela antessentiam, Juliana ingressou na faculdade, no curso de Letras, em sua primeira tentativa.
Seus planos estavam cumprindo-se. Além de estudar sobre o que amava, namorava Daniel Pedro Brasil, um homem muito carismático, engraçado, culto e pensativo. Ela sentia-se em um sonho, sua vida não poderia estar melhor.
    Após a faculdade, os anos aparentaram passar extremamente rápidos. Ela concluiu a graduação, recebia um ótimo salário em seu trabalho, estava casada, como muitos previam, com Daniel e vivia em Porto Alegre.
Alguns meses posteriores ao casório, Juliana engravidou e, depois de trinta e oito semanas, excepcionalmente tranquilas, Isabela nasceu. A jovem criança possuía a beleza da mãe, sobretudo os olhos grandes e azuis como o mar e o cabelo loiro. No entanto, com o tempo, constatou-se que sua personalidade assemelhava-se muito com a do pai.
Os anos foram passando, Juliana não conseguia conciliar o trabalho com a vida maternal, assim, Daniel tinha mais deveres a realizar, sozinho, com Isabela, porém, apoiava o trabalho de sua mulher, pois queria sua alegria.
Entretanto, um dia, enquanto a ocupada mulher escrevia seu quinto livro, uma ligação transformou aquela monótona quinta-feira em um pesadelo, o seu marido havia sofrido um acidente de automóvel e não sobrevivera.
Após aquele triste fato, Juliana acabou decidindo voltar a sua cidade natal, porque, além de não conseguir sustentar uma vida ótima em Porto Alegre para si e sua filha, acreditava que, em Roseira, Isabela poderia ser cuidada por seus avós maternos. E, então, mesmo não gostando de lá, mudou-se.
    Em poucas semanas, sua vida foi alterada radicalmente, e, com isso, sua personalidade também. Não falou com ninguém por muito tempo, no entanto, quando voltou a conversar, facilmente notava-se que ela estava mais fria e afastada, e quem mais sofreu foi a pobre criança, que, praticamente, era ignorada, como todos, por Juliana.
     A distância entre mãe e filha tornava-se cada vez maior, havia poucas brigas, principalmente, porque a mulher não conversava com Isabela, somente trabalhava em seu tempo livre, na sua biblioteca particular, onde permanecia sozinha.
    A vida foi passando, Isabela, que, praticamente era uma adulta, havia saído de casa e, assim, Juliana e a moça falavam-se cada vez menos. A casa tornara-se um local solitário, onde viviam apenas a mulher e uma gata que adotara.
Agora, ela está sozinha, cada dia mais triste, não apenas por estar envelhecendo, mas também por sua solidão, Juliana tenta iludir-se que está bem e feliz, porém uma ligação interrompe o silêncio desta noite de 21 de agosto.
A pobre mulher atende e, depois de alguns segundos abaixa o telefone, ela olha ao redor, não vê nada, apenas os porta-retratos que guardam sua história, lágrimas caem de seus olhos e molham o chão. Sua mãe morreu.
Seu pai disse que ela sofrera um ataque cardíaco, não sobrevivera. Ele já havia avisado a todos que o enterro seria no dia seguinte.
Juliana, pela primeira vez em muito tempo, volta a aceitar seus sentimentos, de seus olhos, mais lágrimas molham seu rosto, porém o choro não é somente por causa de Diana, mas sim, por sua vida.
A mulher olha novamente a seu redor, não encontra alegria, não vê vida, reflete sobre sua história e, finalmente, enxerga com clareza, todos os erros que cometera, valores que ignorara e pessoas que esquecera.
Ela, neste mesmo instante, decide que ainda há tempo para mudar sua vida e, enfim, percebe que deve parar de lastimar-se e agir.
Juliana pega o celular na mão, pensa um pouco nos dígitos que iria discar e com um pouco de ansiedade e receio, com uma voz extremamente insegura, pergunta:
-Filha, como você está?

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